A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou nesta semana um projeto de lei do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que, na prática, abre caminho para o pagamento de mais um adicional acima do teto do funcionalismo público para os procuradores do Estado.
O texto cria uma licença"compensatória" por "excesso de trabalho". O novo penduricalho funciona assim: quem estiver sobrecarregado poderá tirar um dia de folga a cada três trabalhados, até o limite de sete dias de descanso no mês, ou receber o valor em dinheiro. O salário inicial dos procuradores do Estado de São Paulo é de R$ 38,9 mil.
O projeto de lei foi enviado à Assembleia Legislativa no fim do mês passado e tramitou em regime de urgência na Casa. A versão final foi publicada nesta quinta, 16, quando o texto entrou em vigor. Ao encaminhar a proposta aos deputados estaduais, a procuradora-geral do Estado, Inês Maria dos Santos Coimbra, justificou que "não tem sido incomum a necessidade de exigir" dos procuradores "atividades extraordinárias e em condições de excesso de serviço". O governador chancelou a iniciativa. De acordo com Tarcísio, ela "decorre de estudos realizados pela Procuradoria-Geral do Estado".
Questionamentos
A reportagem do Estadão questionou a Procuradoria-Geral do Estado e o governo de São Paulo sobre se há uma estimativa de quanto o benefício pode custar e qual a expectativa de ganho de produtividade com o novo modelo. Também pediu dados que comprovem o excesso de trabalho dos procuradores.
Outro ponto questionado foi como será feito o pedido de licença compensatória, ou seja, se os servidores precisam apresentar alguma comprovação para solicitar as folgas ou a compensação em dinheiro. A Procuradoria-Geral do Estado não respondeu a nenhuma das perguntas. Informou apenas que a licença é "um instrumento de gestão já adotado por outras carreiras jurídicas nos três níveis de governo".
Podem pedir a licença compensatória - ou o reembolso - os procuradores que trabalharem aos fins de semana ou feriados para atender a "providências extrajudiciais ou judiciais", os que estiverem cobrindo colegas durante férias ou licença e os que acumulem funções em grupos de trabalho, comitês, mutirões, programas de colaboração ou "quaisquer atividades públicas relevantes".
De acordo com as novas regras, o pagamento em dinheiro deve ocorrer quando o procurador, "por necessidade do serviço", não puder tirar as folgas devidas. Como o projeto parte da premissa de excesso de trabalho, a tendência é de que as indenizações se sobreponham aos dias de descanso.
As compensações serão custeadas com recursos do Fundo de Administração da Procuradoria-Geral do Estado, a título de "honorários advocatícios".
"Justa retribuição"
Por meio de nota, a Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo afirmou que a nova licença compensatória é um "mecanismo legítimo de compensação pelo desempenho de atividades extraordinárias".
"A licença serve como justa retribuição ao trabalho adicional realizado. Importante destacar que eventuais conversões pecuniárias dessa compensação serão inteiramente custeadas pelos honorários advocatícios, valores arrecadados graças à competência e eficiência dos próprios procuradores e que não configuram receita pública. Portanto, não acarretam qualquer ônus aos cofres públicos do Estado de São Paulo", disse a entidade.
Efeito cascata
Magistrados e integrantes os do Ministério Público já têm direito ao penduricalho que engorda seus subsídios. Uma resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em outubro de 2023, autorizou a implementação da regalia nos tribunais, copiando regras que já valiam para promotores e procuradores de Justiça.
O resultado da decisão do CNJ foi um efeito cascata: juízes e desembargadores federais, além de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Contas da União (TCU), agora podem pedir a licença. Com o TCU e o STJ têm direito e deveres equiparados pela Constituição, a Corte de Contas também aderiu, mesmo não fazendo parte do Poder Judiciário (mais informações nesta página).
No TCU, a resolução estabelece que os ministros que estiverem com excesso de processos no gabinete ou que ocuparem cargos administrativos, como presidência, vice-presidência, corregedoria e assento em conselhos, comissões ou grupos de trabalho, poderão tirar até dez dias de folga por mês ou optar por receber o valor em dinheiro.
Na época, o CNJ informou que cada tribunal deveria analisar o impacto orçamentário, mas que não haveria gastos extras. "Não haverá aumento de orçamento de nenhum tribunal, que, caso precise fazer qualquer equiparação, terá que usar o orçamento já existente", informou o conselho.