A Polícia Federal vai investigar se o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou articular alguma manobra diplomática para evitar ser preso no inquérito que apura a suspeita de tentativa de golpe de Estado no País. Bolsonaro passou pelo menos duas noites na Embaixada da Hungria, após ser obrigado a entregar seu passaporte à Justiça brasileira durante a Operação Tempus Veritatis, deflagrada no início de fevereiro. A estadia de Bolsonaro na embaixada húngara foi revelada pelo The New York Times.
O jornal americano publicou imagens de vídeo e fotos indicando que Bolsonaro entrou na embaixada em Brasília no dia 12 de fevereiro e só saiu de lá dois dias depois. A reportagem divulgou também fotos de satélite mostrando que o veículo usado pelo ex-presidente permaneceu estacionado na embaixada durante o período. Bolsonaro deve ser intimado a depor.
Especialistas em Direito Penal ouvidos pelo Estadão avaliaram que Bolsonaro, a depender da investigação da PF, pode ser colocado em regime de monitoramento eletrônico, ou até preso preventivamente, se o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar que ele buscou asilo político para se antecipar a uma possível ordem de prisão. Criminalistas e professores afirmaram, no entanto, que o primeiro passo é a investigação do caso pela PF, o que já está em curso.
Em nota, a defesa do ex-presidente disse que ele passou dois dias hospedado no prédio, mas negou que a estadia se deu por busca de um eventual asilo político. Segundo os representantes de Bolsonaro, a presença na embaixada se resumiu em "manter contatos com autoridades do país" e atualizar os representantes húngaros sobre o "cenário político das duas nações".
"Obra ficcional"
"Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais um rol de fake news", concluiu a defesa de Bolsonaro. O Estadão procurou a Embaixada da Hungria, mas não havia obtido resposta até a noite de ontem.
A casa de Bolsonaro no bairro Jardim Botânico, em Brasília, fica a 12 quilômetros da embaixada húngara. A distância pode ser percorrida de carro em 16 minutos, segundo estimativa do Google.
Segundo o New York Times, a estadia de Bolsonaro na Embaixada da Hungria sugere que ele estava tentando ‘alavancar a sua amizade‘ com o primeiro-ministro Viktor Orbán, que é um político da extrema direita do país europeu. A estratégia, conforme o jornal, seria tentar escapar de eventuais punições da Justiça brasileira. A reportagem, contudo, não chega a detalhar algum plano concreto de Bolsonaro nesse sentido.
Inviolável
Se a Justiça expedisse um mandado de prisão preventiva contra Bolsonaro, com o presidente hospedado em uma embaixada internacional, a decisão judicial não poderia ser cumprida porque os consulados são considerados territórios invioláveis dos países de origem.
Bolsonaro teria chegado à Embaixada da Hungria no dia 12 de fevereiro, após postar um vídeo convocando para o ato na Avenida Paulista - o evento foi realizado em São Paulo no dia 25 e reuniu milhares de apoiadores do ex-presidente. Na manifestação, o ex-presidente minimizou as provas obtidas pelas investigações das quais é alvo e defendeu anistia para os presos nos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro.
Momentos antes de Bolsonaro chegar, as câmeras de segurança mostraram o embaixador Miklós Halmai andando e digitando no telefone. Por causa do feriado de carnaval, a embaixada húngara estava vazia, sendo frequentada apenas pelos diplomatas que vivem no prédio.
Bolsonaro chegou às 21h34 em um carro preto. O vídeo divulgado pelo jornal americano mostra um homem batendo palmas para chamar a atenção dos funcionários da embaixada. Depois de três minutos, Halmai abre o portão e indica onde o carro que levava o ex-presidente poderia estacionar.
"Irmão"
Bolsonaro e o primeiro-ministro húngaro possuem um relacionamento próximo há anos. Em 2022, quando o ex-presidente brasileiro visitou a Hungria, ele cobriu Orbán de afagos. "Acredito no Orbán, que trato como irmão, dadas as afinidades que temos", disse Bolsonaro.
Em dezembro do ano passado, Bolsonaro e Orbán se reuniram em Buenos Aires na posse do presidente da Argentina, Javier Milei. No encontro, Orbán chamou Bolsonaro de "meu bom amigo".
"Estamos em Buenos Aires para comemorar a grande vitória do presidente Javier Milei. Tive o prazer de encontrar com meu grande amigo, presidente Jair Bolsonaro. A direita está a crescer não só na Europa, mas em todo o mundo!", disse Orbán em manifestação na rede social X (antigo Twitter).
Ex-presidente alega ter "boas relações internacionais"
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse ontem que frequenta embaixadas de outros países no Brasil para conversar com os embaixadores e que ainda mantém contato com chefes de Estado para repassar a situação política no País.
"Temos boas relações internacionais. Até hoje mantenho relação com alguns chefes de Estado pelo mundo, algo bastante saudável. Muitas vezes esses chefes de Estado ligam para mim para que eu possa prestar informações precisas sobre o que acontece no Brasil", disse Bolsonaro em um breve discurso durante evento do PL em São Paulo. "Frequento embaixadas também aqui por nosso Brasil, converso com os embaixadores. Não tenho o passaporte, está detido. Senão estaria com Tarcísio (de Freitas), juntamente com o Ronaldo Caiado, nessa viagem que ele fez a Israel, um país irmão e fantástico sob todos os aspectos", continuou.
Bolsonaro participou na capital paulista da filiação ao PL de Sonaira Fernandes - secretária estadual de Políticas para a Mulher - e de Rute Costa, vereadora em São Paulo. Elas estavam no Republicanos e no PSDB, respectivamente. Ambas são cotadas para serem candidatas a vice na chapa do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que estava presente.
Itamaraty
O embaixador da Hungria, Miklós Halmai, foi convocado pelo Ministério das Relações Exteriores para prestar esclarecimentos sobre a hospedagem de dois dias oferecida ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o carnaval. Halmai conversou na tarde de ontem por cerca de 20 minutos com a secretária de Europa e América do Norte, embaixadora Maria Luísa Escorel.
O premiê da Hungria, Viktor Orbán, é um dos principais aliados de Bolsonaro no cenário internacional. O ex-presidente ficou na Embaixada da Hungria em Brasília entre os dias 12 e 14 de fevereiro, após ter sido obrigado a entregar seu passaporte.