Integrantes do governo envolvidos com a discussão e analistas ouvidos pelo Estadão apontam que não se trata apenas de postergar a conclusão, mas sim do risco de que a aliança Mercosul-UE não saia do papel. O governo de Alberto Fernández optou por não tomar essa decisão em meio à transição política no país - Javier Milei toma posse no domingo, 10. Crítico do bloco sul-americano, o futuro governo pode mudar os rumos da negociação
Na Alemanha, na segunda, 4, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não vai desistir do acordo. Ele deu a declaração ao lado do chanceler alemão, Olaf Scholz, depois de o presidente francês, Emmanuel Macron, criticar, no fim de semana, a proposta em discussão. "Não vou desistir do acordo enquanto não conversar com todos os presidentes e ouvir o "não" de todos", disse Lula, acrescentando que lutará pelo pacto enquanto acreditar na possibilidade de concluí-lo.
Janela
Membros do alto escalão de três ministérios ouvidos pela reportagem disseram não haver condições de assinar o acordo ainda neste ano e que não estaria claro quando haverá outra janela de oportunidade política para finalizá-lo.
A percepção é compartilhada por especialistas. "Fica fora do radar a possibilidade de um acordo com fechamento rápido", afirma Victor do Prado, membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-diretor do conselho e do comitê de negociações comerciais da OMC.
Há uma disputa de narrativa, nos bastidores, sobre qual país irá carregar o ônus pelo fracasso. No domingo, em Dubai, Lula afirmou que, se não houver acordo, "pelo menos vai ficar patenteado de quem é a culpa". Ele culpou os europeus: ‘Assuma a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais. E não somos mais colonizados. Somos independentes."
Ao comunicar que não participariam da reunião no Rio, os negociadores argentinos sugeriram que o Brasil também teve sua parcela de responsabilidade. Eles indicaram, segundo relatos de quem acompanhou as tratativas nos últimos dias, que o governo Lula teve ao longo de 2023 tempo para revisar o que desejava no texto - e agora é a Argentina que pede novo prazo.
Após duas décadas de discussão, o acordo foi firmado em 2019 e o texto passa por um processo de revisão técnica, que revelou novas dificuldades. A Europa apresentou exigências adicionais na área ambiental, motivadas pela preocupação da sociedade com a crise climática, mas também por um forte lobby do agro, que teme a competição principalmente com Brasil e Argentina. Do lado brasileiro, a preocupação é manter o controle sobre as compras governamentais, que Lula vê como mecanismo de fomento da economia.
"É um desafio para ambos implementar o acordo", reconhece Gustavo Müller, do Centro de Estudos para Governança Global da Leuven, a principal universidade da Bélgica.
Lula manifestou a vontade de anunciar o pacto antes de entregar a presidência rotativa do Mercosul ao Paraguai, na quinta-feira, mas a chegada de Milei ao poder esfriou as negociações.
O ato final da presidência do bloco fecharia o ano em que Lula tentou pôr o País de volta ao cenário internacional, em um contexto marcado também por tropeços do brasileiro em política externa, com declarações controvertidas que vão da guerra na Ucrânia ao conflito em Gaza.
Fonte: Estadão